A fauna na obra de João Guimarães Rosa
Por influência do João:
Um assomado de coisa
que eu tenho por dívida com a lição da leitura, é o descobrimento de uma
imensidão de bicho e planta ao derredor de onde vivo... o cerrado.
Mire e veja... sem aquela escrivinhação toda daquele doutor,
eu podia hoje tá vivendo nesses ermos do Brasil Central sem ter sabença de nome
e cor, tipo de avuar e correr
pelos matos desses bichinhozinhos que enfeitam esses campos de Deus.
Com muita humildade, sem abraçar um tiquinho de nada o tanto
de bicho que o João descreveu e desenhou nos miolo da imaginação da gente, nas
linhas que seguem, apresento um pouquinho dos bichos usando o palavrear escrito
e dito no livro dele.
Pode ser que tenha um erro aqui outro acolá, pois sou meio
lerdo no aprendimento das coisas, mas a intenção é homenagear o João.
Palavreado e retrato
Mas, melhor de todos – conforme
o Reinaldo disse-o
que é o passarim mais bonito e engraçadinho de
rio- abaixo e rio -acima:
o que se chama o manuelzinho-da-croa.
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Manuelzinho-da-croa- Batuíra de coleira - fonte:Worldbirds.com |
– “É aquele lá: lindo!” Era o
manuelzinho-da-croa, sempre em casal, indo por cima da areia lisa,
eles altas perninhas vermelhas, esteiadas muito atrás traseiras, desempinadinhos, peitudos, escrupulosos catando suas coisinhas para comer alimentação.
Machozinho e fêmea – às vezes davam
beijos de biquinquim
– a galinholagem deles. – “É
preciso olhar para esses com um todo carinho...”
– o
Reinaldo disse. P. 122 - 1986
Saiba o senhor,
o de-janeiro é de águas claras.
E é rio cheio de bichos
cágados. Se olhava a lado, se via um vivente
desses – em cima
de pedra, quentando sol, ou
nadando descoberto, exato. Foi o menino
quem me mostrou. P.87 - 1986
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Cágado - Foto: R. Camargos |
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Cágado - Foto: R. Camargos |
E tinha o Xenxém, que tintipiava de manhã no revoredo, o saci-do-brejo, a doidinha, a gangorrinha, o
tempo-quente, a rola-vaqueira... e o bem-te-vi que dizia, e as araras
enrouquecidas.
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Povi - foto: R. Camargos |
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Xenxém ou marreca caneleira - Foto: R. Camargos
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Xenxém ou marreca caneleira - Foto: R. Camargos
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Araras em pequizeiro - Foto: R. Camargos |
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... Assovios que fechavam o dia: o papa-banana, o azulejo, a
garricha-do-brejo, o suiriri, o sabiá-ponga, o grunhatá-do-coqueiro. GSV-p.19-20
-1986
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Suriri - fonte: Worldbirds.
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Azulejo fazendo o ninho. foto: R. Camargos |
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Sabiá-ponga - Foto: R. Camargos |
“Escutei um barulho. Tocha de carnaúba estava
alumiando. Não tinha ninguém restado. Só vi um papagaio
manso falante, que esbagaçava com o bico algum trem.” P. 81 -1986
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Papagaio domesticado. Foto: R. Camargos |
Os quem-quem, aos casais, corriam, catavam,
per
meio às
reses, no liso
do campo claro. Mas, nas árvores, pica-pau
bate e grita. E escutei o barulho, vindo do dentro do mato, de um macuco – sempre solerte. Era mês de macuco ainda passear
solitário – macho e fêmea desemparelhados,
cada um por si. E o macuco vinha andando, sarandando, macucando: aquilo ele ciscava no chão, feito galinha de casa. Eu ri
– “Vigia este, Diadorim!” – eu disse; pensei que Diadorim estivesse em voz
de alcance.
Ele não
estava. P. 253 - 1986
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Quem-quem ou Quero-quero solitário. Fonte: R.Camargos |
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Quem-quem em bando. |
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Quem-quem ou Quero-quero solitário. Fonte: R.Camargos |
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Pica-pau - Foto R. Camargos |
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Macuco - Fonte: Wikipedia |
Irara – ou Papa-mel.
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Irara - fonte: Informativo do Vale |
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Irara ou Papa-mel - fonte: Procarnivoros.com
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"se aquele bicho irara tinha
jazido lá, então ali não tinha cobra. Tomei
o lugar dele." p. 13 - 1986
Lontra.
“Perto de muita água, tudo é feliz.
Se escutou, banda do rio, uma lontra por
outra: o issilvo de plim, chupante.” P. 21 – 1986.
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Lontra. fonte: funzel.org |
Ariranha:
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Ariranha: Fonte - Wikipédia. |
- o rio é cheio de baques, modos moles, de esfrio, e uns sussurros de desamparo. Apertei os dedos no pau da canoa. Não me lembrei do Caboclo-d’Água, não
me lembrei do perigo que é a “onça- d’água”, se diz – a ariranha – essas desmergulham, em bando, e becam a gente: rodeando
e então fazendo
a canoa virar,
de estudo. P. 88 - 1986
Sucuriú (sucuri)
Por lá, sucuri geme. Cada surucuiú do grosso: voa corpo no veado e se enrosca nele, abofa – trinta palmos!
Tudo em volta, é um barro colador, que segura até
casco de mula, arranca ferradura por ferradura. Com medo de mãe-cobra, se vê muito bicho retardar ponderado, paz de hora de poder água beber, esses escondidos atrás das touceiras de
buritirana. P 22-1986
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Sucuri - Fonte: Instituto Butatã |
"Sucuriú agride de açoite, feito o relâmpago, pula inteira no outro bicho...Aquilo é um abalo! Um vê: ela já ferrou dente e enrolou no outro o laço de suas voltas, as duas ou três roscas, zasco-tasco, no soforçoso...O bicho nem grita, mal careteia, debate as pernas de trás, o aperto tirou dele o ar dos bofes. Sucuriú sabe o prazo, que é só para sufocar, tifetrije...Aí, solta as laçadas de em redor do bicho morto, que ela tateia todo, com a linguazinha. Começa a engolir..." Tutaméia - Como Ataca a Sucuri - p.32-33 -1967
Ah, e cobra? Pensar que, num corisco de momento, se
pode premer mão numa rodilha grossa de cascavel, numa
certa morte dessas. P. 178 - 1986
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Dois momentos de uma cascavel. Fotos: R. Camargos |
Acontecendo tudo com risadas e ditos amigos – como quando com seu arreleque por-escuro uma nhaúma devoou, ou quando eu pulei para apanhar um raminho de flores e quase caí comprido no chão, ou quando ouvimos um him de mula, que perto pastava. P.124 – 1986
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Voo da Nhaúma em muitos lugares chamada de Inhumas. Foto: R. Camargos |
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Fonte: Panoramio.com |
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Nhaúma - Foto R. Camargos
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As garças, elas em asas. O rio desmazelado, livre rolador. E aí esbarramos parada, para demora, num campo solteiro, em varjaria descoberta, pasto de
muito gado. P.250 - 1986
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Garça Branca - foto R. Camargos |
coruja
Na noite Zé Bebelo saiu, engatinhando por mais escuro, e revestido com as roupas bem
pretas que arranjou, dum e doutro. Ele devia
de ter ido até longe, como rato em
beira de paiol – que coruja come. Queria era farejar
com os olhos o reprofundo. P. 306- 1986
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Coruja barranqueira - Foto R. Camargos
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Corujas - Foto R. Camargos |
Seriema e outros bichos
“Mas
levei minha sina. Mundo, o em que se estava,
não era para gente:
era um espaço para os de meia-razão. Para ouvir
gavião guinchar ou as tantas seriemas que
chungavam, e avistar as grandes emas e os veados correndo,
entrando e saindo até dos velhos currais de ajuntar gado, em rancharias sem morador?
Isso, quando o ermo melhorava
de ser só ermo.” GSV- P.275 – 1986
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Seriema Foto: R. Camargos |
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Seriema: Fotos de Mirian Cássia |
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Seriema: Fotos de Mirian Cássia
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Emas, substituíram os campos pelas lavouras. Foto: R. Camargos |
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A chapada é para aqueles casais de antas, que toram
trilhas largas no cerradão
por aonde,
e sem saber de ninguém assopram sua bruta
força. Aqui e aqui, os tucanos senhoreantes, enchendo as árvores,
de mim a um tiro de pistola – isto resumo mal. Ou o zabelê choco, chamando seus pintos, para esgaravatar terra e com eles os bichinhos comíveis catar. 275.
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Tucano. Foto: R. Camargos |
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Tucano. Foto: R. Camargos |
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Anta: Instituto ecoação
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As garças é que praziam de gritar,
o garcejo delas, e o socó-boi range cincerros, e o socó latindo sucinto.
Aí pelo mato das pindaíbas avante, tudo
era um sapal. Coquexavam. De tão
bobas tristezas, a gente se
ria, no friinho de entrechuvas. P. 257 - 1986
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O socó-Boi. Foto: R. Camargos |
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O socó-Boi. Foto: R. Camargos |