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sexta-feira, 31 de julho de 2015

Astronomia Roseana

Um entardecer no vale do Urucuia

A obra de João Guimarães Rosa está repleta narrações astronômicas, não da maneira dos cientistas, mas à maneira do sertanejo, do caboclo, do homem rústico dos campos gerais.

O SEJUÇU

No conto “Meu tio Iauaretê” o sejuçuou setestrelos é mencionado algumas vezes pelo caboclo,  que vê a si mesmo naquela constelação,  a sétima estrelinha, aquela que seu interlocutor não consegue ver.

[....] eu nasci em tempo de frio, em hora em que o sejuçu tava certinho no meio do alto do céu. Mecê olha, o sejuçu tem quatro estrelinhas; mais duas. A' bom:  enxerga a outra que falta?  Enxerga não?  A outra‑é eu... Mãe minha me disse.” (p. 186).


Muitos estudiosos da obra de João Guimarães Rosa afirmam que o sejuçu e o “setestrelos” são o mesmo grupo de estrelas, ou seja, fazem parte da mesma constelação.

Nesse caso o sejuçu seria as Plêiades, um aglomerado de estrelas que faz parte da constelação de Touro.
As plêiades podem ser avistadas no hemisfério sul, entre os meses  de setembro  até março.

No hemisfério sul, a constelação de Touro é uma constelação do calor, assim como a de Órion, em oposição à constelação de Escorpião que é do frio por assim dizer.

No sertão, porém, até hoje, os moradores chamam o período de chuvas (verão) de inverno, se diz, por exemplo, quando as chuvas se prolongam, que invernou.

O sejuçu, segundo Silveira Bueno em Vocabulário tupi-guarani/português, Seixu é a abelha-mestra, a produtora do mel. Indica aos índios a época de tirar o mel “furar o mel”. Coincide com  o início das chuvas e o aparecimento da constelação das Plêiades ou do Sete-estrelo e os indígenas, em algumas tribos, tomavam estes dois acontecimentos como o início do ano.


NO GRANDE SERTÃO VEREDAS

...Decidi o tempo – espiando para cima, para esse céu: nem o setestrelo, nem as três-marias, - já tinham afundado; mas o cruzeiro ainda rebrilhava a dois palmos, até que descendo. (p. 599) 370 (38 impressão 1986)
Foto. Leonardo Valladão


Foto. Leonardo Valladão

... O setestrelo, no poente, a uma braça: devia de regular uma nove horas. (p502) 1986

 Arte que espiei arriba, levei os olhos. Aquelas estrelas sem cair. As Três-marias, o Carretão, o Cruzeiro, o Rabo-de-tatu, o Carreiro-de-São-Tiago. Aquilo me criou desejos. Eu tinha de ficar acordado firme. (p.496) 1986

A noite breava própria; o mais escuro ia ser regulando em antes das dez horas, que  quando depois podia subir um caco de lua. (p. 304) 1986

 ... Aí, aclarava – era o fornido crescente – o azeite da lua. Andávamos.
Saiba o senhor, pois saiba: no meio daquele luar, me lembrei de Nossa Senhora. (p. 325) 1986
Lua crescente  no noroeste de Minas Gerais. Foto: R. Camargos











    Vai, viemos, viemos. Esses dias em ondas. Sei só as encostas que subi, a festo. O Chapadão: céu de ferro. E era a lua-nova. Aquelas pedras brancas, que de noite tanto esfriam. As caraíbas estavam dando flor. (p.409) 1986.


Vão de noite, quando o mato pega a adquirir rumores de sossegação. Ou quando luava, como nos Gerais dá, com estrelas. Luava: para sobressair em azul de luz assim, só mesmo estrela muito forte. (p.482)1986

Quando luava assim, só mesmo estrela muito forte para brilhar. Foto: R. Camargos

Compadre meu Quelemém é um homem fora de projetos. O senhor vá lá, na Jijujã. Vai agora, mês de junho.  A estrela-d´alva sai às três horas, madrugada boa gelada. É tempo de cana. (p. 46) 1986


...e com eles nos ajuntamos, economizando rumo, num lugar chamado o Bom Buriti. Me alembro, meu é. Ver belo: o céu poente de sol, de tardinha, a roséia daquela cor... (p.269) 1986                              

BIBLIOGRAFIA

BIBLIOGRAFIA:

 - Magma (1936), poemas. Não chegou a publicá-los.

 - Sagarana (1946), contos e novelas regionalistas. Livro de estréia.

- Com o vaqueiro Mariano (1947)

 - Corpo de Baile (1956), novelas. (Atualmente publicado em três partes:

    - Manuelzão e Miguilim,
    - No Urubuquaquá, no Pinhém e
    - Noites do sertão.)

 - Grande Sertão: Veredas (1956), romance.

 - Primeiras estórias (1962), contos.

 - Tutaméia:Terceiras estórias (1967), contos.

 - Estas estórias (1969), contos. Obra póstuma.

 - Ave, palavra (1970) diversos. Obra póstuma.



Bibliografia sobre o Autor:
Bosi, Alfredo (org.). O conto brasileiro contemporâneo. São Paulo: Cultrix, 1994.
Faraco, C.E. & Moura, F.M. Língua e literatura.. São Paulo: Ática, 1996. v.3.
Holzemayr, Rosenfield Kathrin. Grande Sertão: Veredas. São Paulo: Ática, 1996. (Roteiro de Leitura).
Macedo, Tânia. Guimarãres Rosa. São Paulo: Ática, 1996. (Ponto por Ponto).
Perez, Renard. Em Memória de João Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: José Olympio, 1968.
Rosa, Vilma Guimarães. Relembramentos, Guimarães Rosa, meu pai. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983.
Santo, Wendel. A construção do romance em Guimarães Rosa. São Paulo: Ática, 1996.
Sperber, Suzi Frankl. Guimarães Rosa: signo e sentimento. São Paulo: Ática, 1996. (Ensaio).
Zilberman, R. A Leitura e o ensino da literatura. São Paulo: Contexto, 1989.
Acervo:
- Os arquivos do autor, abrangendo o período de 1908 a 1971, com aproximadamente 12.000 documentos, foram adquiridos pelo Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da Universidade de São Paulo (USP).
Homenagem ao Autor:
Museu Guimarães Rosa
Av. Padre João, 744
Cordisburgo - MG - Brasil
Fone: (0 XX 31) 715-1378
Agendar visitas: 3ª a dom., das 8h40min às 17h.
Versões:
1961/1967 - Publicação de "Buriti" ("Corpo de Baile", 1ª parte), "Les Nuits du Sertão" ("Corpo de Baile", 2ª parte), "Primeiras Estórias", pela Édition du Seuil; "Diadorim", pela Éditions Albin Michel, Paris - França.
Adaptações:

1969 - Publicação do livro "A João Guimarães Rosa" -  (Gráficos Brunner), ensaio fotográfico de Maureen Bisilliat, com trechos de "Grande Sertão: Veredas". Curta de 09 minutos - Filmoteca da ECA / USP, direção de Roberto Santos - São Paulo (SP).

1975 - Adaptação dos contos "Corpo Fechado" (do livro "Sagarana"), direção de Lima Duarte, e "Sorôco, Sua Mãe, Sua Filha" (do livro "Primeiras Estórias"), direção de Kiko Jaess, para o programa Teatro 2, da TV Cultura - São Paulo (SP)

1975 - Adaptação do conto "Sarapalha" (do livro "Sagarana"), direção de Roberto Santos, para Caso Especial, da Rede Globo - Rio de Janeiro (RJ).

1984 - Adaptação de "Noites do Sertão", direção de Carlos Alberto Prates Corrêa - Rio de Janeiro (RJ).

1985 - Adaptação de "Grande Sertão: Veredas" para minissérie da Rede Globo, direção de Walter Avancini - Rio de Janeiro (RJ).

1994 - Rio de Janeiro RJ - Adaptação para o teatro de "Grande Sertão: Veredas", direção de Regina Bertola, no Centro Cultural Banco do Brasil

1994 - Filme "A Terceira Margem do Rio", direção e roteiro de Nelson Pereira dos Santos, baseado em cinco contos do livro "Primeiras Estórias": "A Terceira Margem do Rio", "A Menina de Lá", "Os Irmãos Dagobé", "Seqüência" e "Fatalidade" - Rio de Janeiro (RJ).
Discografia:
"Rio Abaixo"
Intérprete: Paulo Freire e outros.
Disco: "Rio Abaixo - Viola Brasileira" (
www.paulofreire.com.br).

"Rosas pra João"
Interprete: Renato Motha e Patrícia Lobato.
CD com 13 canções inspiradas pela obra do biografado.
(
www.renatomotha.com.br)


UMA BREVE BIOGRAFIA

João Guimarães Rosa nasceu na cidade de Cordisburgo, em Minas Gerais, no dia 27 de junho de 1908. Filho de Dona Francisca Guimarães Rosa e de Seu Florduardo Pinto Rosa. Cursou Medicina, e formou-se médico em 1930. Nessa mesma época, publicou seus primeiros contos, na revista O Cruzeiro. Exerceu a Medicina em Itaguara, município de Itaúna, e no 9º Batalhão de Infantaria de Barbacena.
Em 1934, Passa no concurso do Itamaraty  e vai para a então capital federal,  Rio de Janeiro.
 Em 1936 participa do concurso da Academia Brasileira de Letras, com a coletânea de contos chamada “Magma”, recebendo o Prêmio Literário da Academia. Foi Diplomata entre os anos de 1938 e 1944. Culto, sabia falar nove idiomas.

Sobre sua facilidade em aprender línguas, tornou célebre a entrevista que deu a uma prima  na qual se define como poliglota:

"Falo: português, alemão, francês, inglês, espanhol, italiano, esperanto, um pouco de russo; leio: sueco, holandês, latim e grego (mas com o dicionário agarrado); entendo alguns dialetos alemães; estudei a gramática: do húngaro, do árabe, do sânscrito, do lituânio, do polonês, do tupi, do hebraico, do japonês, do tcheco, do finlandês, do dinamarquês; bisbilhotei um pouco a respeito de outras. Mas tudo mal. E acho que estudar o espírito e o mecanismo de outras línguas ajuda muito à compreensão mais profunda do idioma nacional. Principalmente, porém, estudando-se por divertimento, gosto e distração."

Os conhecimentos da língua tupi, foram amplamente utilizados  no conto "Meu Tio  o Iauaretê" publicado na revista Senhor em março de 1961 (nº 25). 

Em 1945 foi rever os lugares onde passou a infância. Em 1946 publicou "Sagarana".  O livro cujo lançamento era uma previsão do gênio literário que o Brasil veria conhecer.

Na deliciosa "Conversa de bastidores", uma crônica publicada em 1946 na revista A Casa (RJ) e escrita por Graciliano Ramos, ele narra  o concurso em que o "proto-livro" Sagarana foi derrotado pelo livro Maria  Perigosa de Luís Jardim, que naquele ano de 1938 levou o prêmio Humberto de Campos, promovido pela Livraria José Olympio.

Graciliano contou na época, que participaram do júri  além dele, Dias da Costa, Prudente de Moraes,  Marques Rabelo e Peregrino Junior. E que, a princípio, aceitara a incumbência de participar do júri meio a contragosto, uma vez que esse trabalho era uma chatice. "...disposto a não ler nada, jogar o trabalho sobre o resto da comissão. É o que pensamos ao tomar semelhantes incumbências"
continuou. "Que influi o meu parecer? Confio no juízo dos outros, voto com a maioria - e está acabado"
Mas, ao pegar para ler o livro de um certo Viator (o pseudônimo de João Guimarães Rosa) escreveu:
"aborrecendo-me assim, abri um cartapácio de quinhentas  páginas grandes: uma dúzia de contos enormes, assinados por um certo Viator, que ninguém presumia quem fosse. Em tais casos, rogamos a Deus que o original não preste e nos poupe o dever de ir até o fim. Não se deu isso: aquele era trabalho sério em demasia. Certamente de um médico mineiro, lembrava a origem: montanhoso, subia muito, descia - e os pontos elevados eram magníficos, os vales me desapontavam"  

Graciliano conta que depois de muita briga, discussão entre os membros do júri, ele e mais dois votaram no livro Maria perigosa e assim esse livro venceu o concurso.
No entanto, às vezes assaltava-lhe um "vago remorso" e desejava ver crescer aquele "Viator" e falava com o editor José Olympio que se cortasse alguns contos, poderia resultar dali um grande livro.
O que viria a ocorrer de fato, João Guimarães Rosa, cortou, modificou e publicou Sagarana em 1946, um livro que causou na época, certa comoção. Grandes escritores elogiaram, outros certamente o defenestraram. O livro tornou-se um sucesso de público e crítica e chegou aos dias atuais como um dos grandes clássicos da literatura brasileira.  


Em 1938, Guimarães Rosa é nomeado Cônsul Adjunto em Hamburgo, e na Europa conhece sua segunda esposa Aracy Moebius de Carvalho. Já havia se casado em 1930 com Ligia Cabral Penna, com quem teve duas filhas.

 Protegeu e facilitou a fuga de judeus perseguidos pelo Nazismo, com a  ajuda da mulher, D. Aracy. Em reconhecimento a essa atitude, o diplomata e sua mulher foram homenageados em Israel, no ano  de 1985, com a mais alta distinção que os judeus prestam a estrangeiros: o nome do casal foi dado a um bosque em Jerusalém.

Com o rompimento entre Brasil e Alemanha, João G. Rosa foi detido em Baden-Baden, na verdade um balneário termal na Alemanha, mas mesmo assim era uma detenção. Ficou  junto com outros brasileiros, entre os quais o pintor pernambucano Cícero Dias. Posteriormente foram trocados por diplomatas alemães que estavam detidos no Brasil. 


Em  1945 retornou ao Brasil. hospedou-se na fazenda Três Barras, em Paraopeba, berço da família Guimarães, então pertencente a seu amigo Dr. Pedro Barbosa e, depois, a cavalo, rumou para Cordisburgo, sua terra natal.


Em 1946,  é nomeado chefe-de-gabinete do ministro João Neves da Fontoura e vai a Paris como membro da delegação à Conferência de Paz.

Em 1948,  volta a  Bogotá como Secretário-Geral da delegação brasileira à IX Conferência Interamericana.

De 1948 a 1950, o escritor encontra-se de novo em Paris, respectivamente como 1º Secretário e Conselheiro da Embaixada. Em 1951 é novamente nomeado Chefe de Gabinete de João Neves da Fontoura. Em 1953 torna-se Chefe da Divisão de Orçamento e em 1958 é promovido a Ministro de Primeira Classe (cargo correspondente a Embaixador).

 
Em 1951 reside em Paris. Em 1952 vista o estado de Mato Grosso, onde convive com os vaqueiros e escreve uma reportagem poética "Como o Vaqueiro Mariano", publicada no Correio da Manhã.

 Em 1956 publicou a novela "Corpo de Baile", com 822 páginas, e "Grandes Sertões: Veredas", narrativa épica, com linguagem inovadora que seria sua obra prima.

O livro que certamente colocou o Brasil na lista de países com grandes escritores. Atualmente importantes meios  de comunicação, como o jornal francês  Le monde, e o britânico The Guardian, enumeram o livro Grande Sertão Veredas como um dos 100 livros mais importantes da literatura universal.

Em 1963 João Guimarães Rosa é eleito para a Academia Brasileira de Letras, somente tomando posse quatro  anos depois.

O escritor faz seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras com a voz embargada. Parece pressentir que algo de mal lhe aconteceria. Três dias após a posse, em 19 de novembro de 1967, ele morreria subitamente em seu apartamento em Copacabana, sozinho (a esposa fora à missa).


Hoje a superstição do escritor tornou-se lendária, um homem de grande cultura, que rodou o mundo, deixava enraizado em seu âmago as superstições e pressentimentos, tais quais alguns de seus personagens.